Paulo Artaxo: o cientista didático, as árvores estressadas e o estresse da COP30
Integrante do conselho científico que assessora a presidência da conferência do clima, o físico mostra como a queima dos combustíveis fósseis e o desmatamento se combinam para enfraquecer as florestas e por que é preciso pará-los
O cientista Paulo Artaxo não pinta a realidade de rosa, mas também não joga a toalha. O especialista em física da atmosfera e estudioso veterano da Amazônia é, neste ano, um dos integrantes do Conselho de Ciência sobre o Clima, criado pela presidência da COP30. A função do conselho é fornecer evidências científicas sobre temas-chave da conferência e “destacar proativamente outros tópicos relevantes” relacionados a ela.
Artaxo abraçou a tarefa como um explicador ambulante dos impactos do aquecimento do planeta, e tem passado os dias de evento em evento, em pessoa ou virtualmente, para imbuir nas pessoas a urgência de somar esforços para que as atuais gerações e as próximas possam viver num mundo habitável. “Hoje as mudanças climáticas deixaram de ser uma questão científica para se tornar uma questão de comunicação. Todas as donas Marias e os seus Joões têm que saber dos riscos que estão correndo. Eles, seus filhos e seus netos”, disse num debate, no dia 21 de agosto, que foi realizado no saguão de entrada do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, para ficar visível e atrair o público não especializado. Os debates são parte da programação do museu para a COP30.
Uma semana antes, em 14 de agosto, Artaxo havia participado de uma entrevista coletiva, ao lado de especialistas e ativistas de outros países amazônicos, sobre a cúpula de líderes da região que ocorreria no dia 22 em Bogotá. O cientista não viajou à Colômbia, mas em 22 de agosto, ainda no Rio, foi o orador principal de um seminário da Confederação Nacional das Seguradoras. Nessas oportunidades, Artaxo tem enfatizado sua preocupação com o estresse sofrido pelas árvores por causa da mudança do clima, em especial nas florestas tropicais.
Num processo em que vários malfeitos dos humanos – da queima dos combustíveis fósseis ao desmatamento – se retroalimentam, as árvores estressadas absorvem menos gás carbônico ao fazer a fotossíntese. Elas passam a emitir mais carbono quando respiram do que a armazenar carbono em suas folhas e troncos quando transformam a energia solar em alimento. Isso é importante porque o gás carbônico concentrado na atmosfera é a principal causa do aumento da temperatura da Terra, que está fazendo o clima mudar. Em condições normais, os biomas terrestres, e principalmente as florestas, absorvem cerca de 25% do carbono que é emitido. Mas hoje, segundo Artaxo, essa proporção já foi reduzida para 23%.
Professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo fez parte das equipes que elaboraram os três últimos relatórios de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas, o IPCC. Também participará do próximo relatório, o sétimo, que começará a ser divulgado em 2028 ou 2029. Em junho, foi o primeiro signatário de uma carta de mais de 250 cientistas que pediram ao presidente Lula que lidere, na COP30, uma iniciativa para que o compromisso de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, firmado por todos os países na COP28, seja implementado.
Falar da degradação das florestas e do sofrimento das árvores que enfrentam essa situação é uma maneira de enfatizar que é preciso combinar duas medidas sem as quais não será possível conter a mudança do clima: o fim do desmatamento e a redução drástica da queima de petróleo, gás e carvão, responsável, globalmente, pela emissão de mais de 75% dos gases que provocam o efeito estufa. A primeira medida não basta sem a segunda. “Mesmo que o desmatamento acabe, o aquecimento global continuará provocando a degradação das florestas”, disse Artaxo na entrevista do dia 14. “A sociedade precisa entender os riscos que um setor econômico, a indústria do petróleo, está colocando sobre os mais de 8 bilhões de pessoas no nosso planeta”, advertiu no Museu do Amanhã.
A bomba-relógio funciona da seguinte forma: a mudança do clima eleva a temperatura, prolonga as secas e reduz o volume das chuvas na Amazônia. Quando uma parte da floresta é posta abaixo ou fica mais rala, porque árvores são retiradas para ser vendidas como madeira, esse efeito é potencializado. Foi o que se viu nos anos de 2023 e 2024, quando a região amazônica enfrentou uma seca extrema. Nos períodos de agosto de 2023 a maio de 2024 e de agosto de 2024 a maio de 2025, a proporção de focos de incêndio que atingiram a floresta nativa na Amazônia foi respectivamente de 13,5% e 23,7%, os maiores índices desde 2019. De agosto de 2024 a maio de 2025, 47,95% da área queimada por incêndios foi de vegetação primária, isto é, de floresta em pé.
Os números chamaram atenção porque, em condições normais, florestas úmidas não pegam fogo. Quando isso acontece, é sinal de que as árvores ficaram mais vulneráveis, por causa da temperatura, da escassez de água ou do impacto do desmatamento na vegetação nativa vizinha à área desmatada – o chamado “efeito de borda”. O fogo, por sua vez, acentua a degradação florestal. É, como se vê, um círculo vicioso sem fim.
A SUMAÚMA, Artaxo explica que, numa floresta madura, a soma da absorção de gás carbônico durante a fotossíntese e a emissão de carbono na respiração das árvores é zero. Uma atividade das plantas compensa a outra, e existe uma situação de equilíbrio. Com a mudança do clima, esse equilíbrio se rompe. “Em algumas regiões da Amazônia, a temperatura já aumentou 2,3, 2,4 graus [Celsius], e as enzimas que controlam a fotossíntese estão saindo da sua faixa ótima de funcionamento. Com isso, a fotossíntese está sendo prejudicada, e a planta absorve menos gás carbônico da atmosfera”, diz ele. “A floresta continua respirando, como todos nós, e essa respiração faz com que ela perca carbono para a atmosfera, realimentando o efeito estufa.”
Várias pesquisas já demonstraram que, em algumas regiões da Amazônia, a emissão de gás carbônico tem sido maior do que a absorção. Algumas das principais foram lideradas por Luciana Gatti, cientista que coordena o Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Desde 2010, o Laboratório recolhe amostras do ar em quatro áreas da região amazônica. A coleta acontece em diferentes altitudes. “Se você vai descendo e a concentração de gás carbônico vai diminuindo, significa que a superfície está removendo carbono da atmosfera. Se ela vai aumentando, significa que a superfície é uma fonte e está emitindo carbono”, explicou Gatti em 2023, numa entrevista a SUMAÚMA.
Nos dois primeiros anos do governo do extremista de direita Jair Bolsonaro, quando o desmatamento aumentou, as emissões foram maiores do que a absorção em três das quatro regiões monitoradas pelo Inpe, em 2019, e em todas as quatro em 2020.
Os estudos do Laboratório de Gases de Efeito Estufa também mostraram que a temperatura aumentou mais e o volume das chuvas teve maior redução nas áreas mais desmatadas. Outra pesquisa recém-divulgada, feita por cientistas do Reino Unido, de Gana e do Brasil, examinou toda a faixa tropical do planeta e chegou à mesma conclusão: entre 2001 e 2020, o aumento da temperatura foi maior onde houve mais desmatamento.
“A Floresta Amazônica é como um jogo de dominó, em que tudo está correlacionado”, resumiu Gatti em sua entrevista. Agora, ela e outros cientistas preparam o estudo relativo aos anos de 2021 a 2024. No governo Lula, quando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o PPCDAm, foi reativado e atualizado, o desmatamento na região diminuiu para cerca de metade do que era no período de Bolsonaro. Porém, a destruição da floresta nativa por incêndios se tornou uma fonte de preocupação e de aumento das emissões, levando o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima a aprovar e implementar, a partir de 2024, a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Paulo Artaxo ressalta que a degradação impulsionada pelo efeito combinado da mudança do clima e da destruição da vegetação não ocorre apenas nas florestas tropicais, mas em todos os biomas. No Cerrado, onde o Código Florestal permite um desmatamento maior nas propriedades privadas do que na Amazônia, os rios perderam vazão e as chuvas estão diminuindo. “O Cerrado hoje está sofrendo um estresse hídrico muito maior do que sofria há dez, 20 ou 30 anos. Isso facilita a perda de carbono para a atmosfera”, diz o cientista.
Ele enfatiza que todo o desmatamento tem que acabar, não apenas o que é ilegal segundo o Código Florestal. “O Brasil tem o compromisso de zerar o desmatamento até 2030. E aí são todos os desmatamentos. Ou a gente cumpre os nossos compromissos ou realmente o Brasil perde credibilidade”, afirma. Além disso, é preciso investir no reflorestamento, alocando recursos para o plano oficial de replantar, até 2030, 12 milhões de hectares, uma área maior do que a do estado de Pernambuco ou de um país como a Holanda.
Artaxo lembra que, se nada for feito, as previsões atuais são de que o aumento da temperatura da Terra, em relação ao período pré-industrial, chegue a mais de 3 graus Celsius neste século. “Isso significa que em regiões do Brasil como a Amazônia o aumento de temperatura pode ser da ordem de 4 graus a 4,5 graus. Acho que qualquer um pode perceber o impacto social, ambiental e ecológico disso”, disse no Museu do Amanhã. “Se a degradação florestal se intensificar nas próximas décadas e o carbono que as florestas armazenam começar a fugir para a atmosfera, os cenários que a gente faz no Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima vão virar brincadeira de criança, e um aumento de temperatura muito maior do que 3 graus pode acontecer já ao longo das próximas décadas”, advertiu.
Por isso, continuou, se o Brasil quer de fato fazer da conferência de Belém a “COP da virada”, como tem sido alardeado, é imprescindível que o fim do desmatamento e a eliminação dos combustíveis fósseis estejam na pauta dos governos, que têm o poder de voto nessas reuniões.
Artaxo acredita que o comando brasileiro da COP30 – o presidente, André Corrêa do Lago, e a diretora executiva, Ana Toni – tem o compromisso de avançar nos dois temas. Mas reconhece a incoerência do governo Lula, que apressa a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, um litoral de extrema sensibilidade ambiental. O cientista já conversou com o próprio Lula sobre o assunto. “Ele entende que há contradições, mas que a maior tarefa dele é erradicar a pobreza no Brasil. E ele entende que deve usar todos os meios possíveis e impossíveis, e um desses meios é a exploração de petróleo”, conta.
Além dos possíveis impactos climáticos e ambientais, há dois senões no raciocínio do presidente e de boa parte do seu ministério. O primeiro é que não há nada que vincule uma futura renda da exploração da Foz do Amazonas, caso seja encontrado petróleo ali, à erradicação da pobreza. O segundo é que, se de fato houver um movimento para conter a mudança do clima, é possível que não haja compradores para esse petróleo ou que o preço caia tanto que não compense seus custos de extração.
Na entrevista de que Artaxo participou no dia 14 de agosto, a colombiana Paola Yanguas Parra, especialista em energia do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês), salientou essa incoerência. Tal como o Brasil, observou ela, quase todos os países petrolíferos têm o discurso de que estão fazendo a transição energética interna e que vão aumentar a produção para exportar. “O problema é que, se somarmos todas as intenções de continuar aumentando a produção e a exportação, enquanto todos reduzem o uso e a dependência do petróleo, a oferta será maior do que a demanda”, disse Yanguas. “Todos os países querem ser o último produtor de petróleo, mas pode ser que todos terminem tentando vendê-lo a preços muitos baixos, que não tornem rentáveis a maioria dos projetos novos.”
Sem medo de repetir o que parece óbvio, Paulo Artaxo conclui que, além de uma questão de comunicação, a mudança do clima é igualmente “uma questão de transição para um mundo sustentável”. No Museu do Amanhã, ele lembrou que a humanidade já passou por várias transições, entre elas a Revolução Industrial, e agora está diante de uma nova. “O modelo econômico que nos foi imposto já se mostra inviável, mesmo a curtíssimo prazo, porque ele é baseado no aumento das desigualdades sociais e no esgotamento dos recursos naturais do nosso planeta. E isso já era. Não há futuro se nós não mudarmos”, disse o cientista.


