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Os impactos da Usina Hidrelétrica de Monte Belo e a importância da ciência local

17/02/2025

Em tempos de emergência climática e com a oportunidade única de o Brasil se tornar, pela primeira vez, liderança nas mesas de discussões globais com as questões ambientais e climáticas, a pesquisa FAPESP em parceria com pesquisadores comunitários, divulgou um vídeo, resultado de dois projetos financiados pela agência, demonstrando os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Pará, sobre a vida de indígenas e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu (VGX).

A usina, projetada para gerar energia por fio d’água, alterou drasticamente o fluxo do rio Xingu, afetando comunidades ribeirinhas e povos indígenas, além de provocar sérios danos ecológicos. O impacto mais visível é a redução da vazão do rio, que compromete a pesca e a biodiversidade local, essenciais para a subsistência da população. O Professor André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da USP, acompanha a região desde o início da construção da Usina de Belo Monte em 2010, desenvolvendo estudos sobre os rios da Amazônia e suas transformações, incluindo as humanas.

Inaugurada em 2016, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte é considerada a maior do Brasil em potência instalada. Um dos impactos da construção foi a transposição do rio para a geração de energia que criou a disputa e a escassez de água, com a vazão reduzida em 60 a 80%. Com a seca vieram os problemas com a pesca e a navegação. O monitoramento indica que a baixa vazão impede a reprodução de peixes e inviabiliza o modo de vida de indígenas e ribeirinhos. Assim, as populações passaram      a repartir o rio com a necessidade de gerar energia para centros urbanos do país, sendo que os grandes centros consumidores de energia estão na região sudeste.

Os projetos apontam a importância da participação dos ribeirinhos e dos indígenas no monitoramento dos impactos da construção da hidrelétrica, dado que o monitoramento exigido pelo IBAMA é feito pela empresa gestora – Norte Energia, não bem recebido pela população local afetada, que consideram inadequado a empresa se auto avaliar. O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), liderado por indígenas e ribeirinhos, feito paralelamente ao da empresa gestora, revela que os efeitos da usina são mais graves do que o previsto. As áreas de alagamento sazonal, os igapós, estão secando, e a fauna aquática, como peixes e tartarugas, estão ameaçados devido à alteração dos ciclos naturais de reprodução. A pesca, antes abundante, foi severamente prejudicada, e muitos alimentos tradicionais desapareceram das dietas locais, forçando as comunidades a recorrer a alimentos industrializados. A navegação também está comprometida e a qualidade da água é precária, com contaminação nos poços destinados ao consumo.

Além disso, o envolvimento das comunidades locais, por meio de iniciativas como o MATI, destaca a importância da ciência local, que complementa os dados obtidos por pesquisadores acadêmicos e oferece uma visão mais realista dos impactos. A pesquisa do professor Sawakuchi conclui que o modelo de hidrelétricas baseado em grandes barragens, como Belo Monte, precisa ser repensado, pois seus efeitos são insustentáveis tanto ambiental quanto socialmente, afetando profundamente a vida e a cultura das populações amazônicas. A questão é que além das consequências já apresentadas, as mudanças climáticas podem potencializar esses impactos, causando maiores prejuízos para a biodiversidade, a sociedade e o desenvolvimento local.

Desde 2019, o MATI conta com a colaboração de pesquisadores de nove universidades e centros de pesquisa, o Ministério Público Federal (MPF) em Altamira (PA). Além de irem a campo anualmente, os pesquisadores acadêmicos acompanham de forma remota as atividades dos monitores locais e ajudam a sistematizar os dados, produzindo documentos científicos e técnicos que apoiam a luta pelos direitos das comunidades afetadas. Desde 2023, o trabalho da equipe científica é financiado pela FAPESP, FAPESPA e FAPEAM por meio da iniciativa Amazônia+10.

Referências

Projetos
1. Partilha da água e resiliência de um sistema socioecológico único na Volta Grande do Xingu (nº 22/10323-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Convênio Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap); Pesquisador responsável André Oliveira Sawakuchi (USP); Investimento R$ 405.370,17.

2. A resposta da dinâmica sedimentar dos rios Xingu e Tapajós às mudanças climáticas e barragens de usinas hidrelétricas: Riscos para conservação da biodiversidade e produção de energia na Amazônia (nº 16/02656-9); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular, Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PPMCG); Pesquisador responsável André Oliveira Sawakuchi (USP); Investimento R$ 284.373,38.

 

Artigos científicos

QUARESMA, A. et al. Belo Monte dam impacts: Protagonism of local people in research and monitoring reveals ecosystem service decay in Amazonian flooded vegetation. Perspectives in Ecology and Conservation (aceito), 2025     .

JURUNA, J. J. P. et al.  Community-based monitoring reveals socio-environmental impacts of severe river drought driven by the world’s fifth largest hydroelectric power plant in the Amazon. Conservation Biology (aceito), 2025.    

CASTRO-DIAZ, L. et al. Multidimensional and multitemporal energy injustices: Exploring the downstream impacts of the Belo Monte hydropower dam in the AmazonEnergy Research & Social Science. v. 113, 103568. jul. 2024.